quinta-feira, 22 de maio de 2014

"Cartas"


O  meu exemplar já cá canta e como tal, visto que já está editado e distribuído, portanto sujeito a leituras, já posso partilhar a carta com que participei na colectânea.

Querido eu,
Faz tanto tempo que não te escrevo e hoje ao sentar-me debaixo daquela árvore onde gostava de passar horas a ler, lembrei-me de mim.
Lembrei-me das vezes em que iniciava um livro, convicta de que era o tal e a meio livro lido, o punha de lado, porque não estava a seguir o tema ou o contexto que eu esperava. Largava-o e de olhos fechados, embalada por uma brisa ou pelo calor do sol, imaginava como seria se eu o escrevesse à minha vontade.
E aí, nessa altura, já sabes, era um desenrolar de personagens que seguiam por caminhos que eu imaginava e lutavam contra todo o tipo de monstros, monstros esses que nunca o eram, pois já sabes o que penso de histórias de terror.
Pois é, querido eu, era normalmente uma história singela, com sentimentos simples e onde os personagens nunca tinham duvidas existenciais ou conflitos sentimentais. Por falar em conflitos sentimentais, lembras-te daquela história que comecei a escrever uma vez, em que os personagens se apaixonaram, do nada, e depois começaram a procurar razões para continuarem apaixonados e deitaram tudo a perder e acabaram por ficar sozinhos, no final?
É por isso que não gosto de livros de histórias de amor. O amor deveria ser simples, fácil e não cheio de intrigas e de más-línguas ou qualquer outro tipo de conflitos. Há tantos autores que escrevem livros inteiros sobre esse tipo de romances. No final das suas trezentas ou quatrocentas páginas, acabam felizes (?) ao lado um do outro, mas até lá chegarem… é sofrimento demais. Tanto, que não sei se a felicidade final é real.
A última vez que me lembrei de mim, querido eu, estava sentada em um lugar menos aprazível, à espera de receber uma notícia qualquer que agora não interessa, mas na altura iria como que resolver um degrau da minha vida, e sentia-me desanimada.
Não escrevia nada há tanto tempo, que de repente, tive receio que fosse ficar para sempre assim, sem imaginar histórias boas, sujeita a realidades menos agradáveis, como as daqueles livros que deixava a meio.
Achei que deveria fazer alguma coisa por mim, e então mal cheguei a casa, em um canto, onde ninguém me incomodasse, peguei em caneta e em papel, sempre gostei de escrever em cadernos, porque as folhas presas umas às outras, mantinham os fios da história colados e aproveitei a notícia que recebera antes e iniciei uma história. Galguei sentimentos, mundos, lugares, mas os meus personagens viveram além das dores que puderam sentir e não morreram, porque já sabes que não gosto de criar personagens para depois os matar. É por isso que apesar do sentimento que me toca quando inicio uma história, dou-lhe a volta, para que não sejam infelizes.
É por isso que gosto mais de me lembrar de mim, quando estou feliz e felizmente, faço por estar feliz muitas vezes, mesmo quando há qualquer coisa de uma história de amor atribulada, ou de uma história de terror na minha vida.
Temos que ser mais fortes, querido eu, mais felizes, para que as nossas histórias, possam dar alegria a quem as lê. Gosto de dar alegria a quem lê, mesmo que seja uma alegria passageira.
Não te esqueças que a felicidade, não é um estado adquirido, mas um conjunto de pequenas coisas que nos vão fazendo felizes.
Por isso, querido eu, qualquer momento é um bom momento para escrever, seja o que for, desde que seja feliz.
Sê feliz e até mais. E serão mais, porque com esta carta, decidi que vou escrever-me mais vezes.



1 comentário:

José Marcos Serra disse...

Porque tinham o mesmo título, esta mensagem tinha-me escapado.
Gostei eu e gostou o Zé Serra também.
Felicidades e bem escritas.